quarta-feira, 30 de maio de 2007

.parte dois

Tentava decifrar os pensamentos que surgiam na sua cabeça. A confusão entrava sem pedir licença, a realidade e o desejo se fundiam causando angústia por não conseguir se formar matéria. Alguém devia tê-la avisado que somos enganados por nossos pensamentos. Tentando desviá-lo, a menina listava mentalmente seus deveres do dia. Forma inútil de impelir o desejo. Ele era mais forte e a dominava de maneira fácil embaralhando sua lista recém formada. Vendo seu poder sobre a menina, o desejo regressava com o seu jogo de impor devaneios e fazia com que ela voltasse a pensar n'ele. Ao mesmo tempo, aprazível e atroz. Àquela altura, sentindo-se culpada por mais uma vez ter cedido a ele, desceu no seu destino, porém vinha acompanhada da deliciosa sensação que ele lhe havia proporcionado.
P.
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Baixa e longínqua
É a voz que ouço. De onde vem,
Fraca e vaga?
Aprisiona-me nas palavras,

Custa-me entender
As coisas pelas quais pergunta
Não sei e não sei
Como responder-lhe-ei

Só o vento sabe,
Só o sol sábio conhece.
Pássaros pensativos,
O amor é belo,
Me insinuaram algo.
E o mais
Só o sol conhece. (...)"

Trecho de Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres - Clarice Lispector

4 comentários:

Cassio Brito disse...

Meu Deus, esse texto esta m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o!!!
Estou abismado!
Amiga, você está com a escrita bem Clarice Lispector, só que contemporânea.
Leia perto do Coração Selvagem.
Sinto-me um pouco essa menina, dominada pelo desejo (quase sempre), mas relutante quanto a ele.
Sabe, Clarice sempre tentou dizer o que não tinha como ser dito mas, o dizia.
Sou assim, ou melhor, somos.

james emanuel de albuquerque disse...

Que texto lindo.
Grande Clarice Lispector!

Um abraço.

Hieros Vasconcelos disse...

Clarice é uma maluca!

Anônimo disse...

Adorei seu blog;] Sutil e nobre como vc.

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